O futuro é nuvem

O futuro é nuvem
O passado é pedra

A gente sabe bem o que esqueceu
E seus motivos

A razão é um sentimento de pedra
O sentimento é água brotando
Um dá em morro
O outro dá em mar

O vida anda na direção que a gente vai
E o tempo divide-se em dois
A água que passa
E a pedra que fica

O presente tem a persistência efêmera de uma cachoeira

O que falta

Não é
a falta
De es
paço
que n
os fal
ta. É
usar
o esp
aço q
ue te
mos q
ue no
s falta.

Não é o horizonte que nos falta. São os olhos de olhar o horizonte que não temos mais.
Não é a guerra que nos falta. É a dor de ser homem que perdemos em algum lugar
do brete.
Todo mundo escreve, mas quem é que lê?

Quando a gente dá um passo pro lado

Quando a gente dá um passo pro lado
E parece que foi o mundo que mudou de lugar
Tu olha e agora parece diferente
É um estranhamento de um passo de comprimento
E se tu olha pra onde tu tava, pras coisas que tu olhava,
Tu vê tanto do que tu via sem entender
E um passo pro lado sempre te mostra mais um pouco de ti
E esse teu passo pode ainda ser dado
Pra outras pessoas verem as coisas um pouco mais 3D.
E isso tudo foi só pra dizer
Que os amigos são a familia que a gente não pode escolher.

Da dor que a gente sente quando desiste de dar o soco óbvio na ponta da faca.

Da dor que a gente sente quando desiste de dar o soco óbvio na ponta da faca.
- Que seja afiada tua faca e recozida tua persistência.
Porque tem muita faca pedindo um soco bem dado.
E muita realidade louca pra deixar de ser.
Todos os argumentos estarão sempre errados: Vai e dá teu soco.
Até a faca encolher.
E quando a faca cegar, é tu quem vê.

Da moderação dos extremistas

Um negão chamado Glauco,
Uma bailarina claudicante e eu
Um tucano com uma verruga preta na ponta do nariz:
Reparo e não julgo nada.

Um bolsista com grana pra buquê de rosas,
Carros com excesso de lugares vagos e eu
O próprio trânsito revolucionario e vermelho da história:
Reparo e não julgo nada.

No vento que bate de graça na cara

No vento que bate de graça na cara,
No Sol que nos aquece do seu próprio bolso,
Na Terra que dá e no homem que doa.

O vento é o que muda e persiste e continua.
O Sol é o calor, a Terra é Pão.
O Homem que tem.

No vento que seca, no Sol que explode
E na terra esturricada da morte.
No homem que morre: Tudo é ao mesmo tempo
Quando as coisas são as coisas em si.

Quando as coisas são o que são,
Quando o homem humaniza a si homem,
Quando o dia nos enche de dia e dia
E o vento parado ainda venta parado:
Tudo é ao mesmo tempo quando as coisas são as coisas em si.

Eu sou do pior dos tipos de poeta

Eu sou do pior dos tipos de poeta
Dos que sentem e não sabem expressar.
- E ainda existem as guerras do mundo
E eu não sei falar com o mundo.
Eu não vivo com o mundo das pessoas.
Em lugar nenhum eu vivo e eu me constranjo
Do tanto que eu sinto e ninguém no mundo mais.
Eu sou o pior tipo de poeta
O que sabe e não sente se expresssar.
E quem mais há de?
Quem mais há que?
No mundo?
Quem?
(para Deise)

R á, tá-tum. Tu-ru-pá, pé, mim.
Tu-ru-pá! Urubu tentum.

Tu-ri-no-vae, tumerinin.
Tu, tu-tu. Uri tumenin.
A busca: estar a vida toda. Ser até a vida a buscar dos outros. Do outros sim.
A dualidade são duas formas de incompreensão. O benefício do observador é ter

[mais incompreensões.
A vida se despeja no infinito. O alimento da alma são os pássaros e as abelhas.

Imagina, babe, essa chuva de hoje, só que num sítio.

Quando eu disse que ia escrever sobre chás

Quando eu disse que ia escrever sobre chás
Foi pra lembrar o cheiro que tem quando a gente passa
Embaixo da laranjeira de noite e tem flores.
E foi pra receitar losna quando a gente tiver fome.
E explicar que é engraçado pedir dose-dupla de camomila.
E que erva que bruxa chá é urtiga.
E muito café-preto dá dor-de-barriga.

Moisés profetizou nosso passado

Moisés profetizou nosso passado e Deus, o Eu-Sou, foi.
Profetizou Moisés nosso passado e foi Deus o seu Eu-Sou.

Não apenas o ser em si: sociedade, vida, morte: direção.
Sentido pra sociedade e a vida e a morte. A morte apenas, em si.

Loucamente ouço deuses que se debruçam sobre poços d´água: meu passado.
Profetizam deuses, como uma paranóia, sobre minha cabeça, todo meu passado.

Espiritos vorazes que, acuados pela civilização, entranham-se nos poetas:
- Nos poetas habitam os espiritos, sem pouso nos corações dos homens.

Vi por suas bocas o passado dos vivos. O que qualquer observador veria.
E ditam como deuses teu passado. Eu o vi.

Na consciência um certo peso

Na consciência um certo peso:
Dever trabalhar,
Enquanto escrevo poesia.

Os dois poemas de quatro de setembro
São propriedade de quem?
- Viva a poesia roubada da empresa em que se trabalha!

Viva a poesia de escritório!
Viva a poesia de teto-baixo!
Viva a poesia que te envergonha
Porque foi lida,
Por cima do teu ombro,
Por quem não devia!

Viva a poesia tida na rua!
Viva a poesia decorada baixinho,
Pra escrever depois,
Quando chegar no escritório...

A pessoa do meu chefe chama-se Fernando

A pessoa do meu chefe chama-se Fernando
E pra mim já é motivo suficiente pra gostar dele.

A cidade é um pombal

O apartamento: A cidade é um pombal
Onde cada um faz suas necessidades da melhor maneira que pode:
Uns sobre os outros.

Quem dera a cidade fosse preta,
E esconde-se num nanquim absurdo,
Toda sujeira de nossas vidas.

Quem dera as cidade fossem como os feudos, 
Que passaram,
E que nos dão pena de quem viveu naquela época.

A Verdade espia de longe o homem

"A resposta virá em palavras
Ou não a entenderíamos."
Pode-se ir muito mais longe,
Mas basta: Sim, tudo é linguagem.

A verdade espia de longe o homem,
Mas não tem pressa.
A pressa é toda do homem.
E toda definição de "pressa"
Será toda palavras sem pressa.

O "Ser" e o Nada.

Dedicar-se a ciência

Dedicar-se a ciência,
E escrever sobre um tema,
Que teime em se esconder.
Pra revelar nem que fosse um segredo
De tudo que sempre esteve por saber.

(...)

Da ciência hoje,
Salvam-me a Poesia e a Filosofia,
Verdadeiras amigas dos homens.

Cada acordo ortográfico nos deixa mais perto

Cada acordo ortográfico nos deixa mais perto de traduzir Pessoa.

Chove, e um pedaço de árvore me entra pela janela

Chove, e um pedaço de árvore me entra pela janela dos olhos.
Mas eu estou seco e toda a chuva grudada nas folhas daquela árvore
Não são suficientes pra molhar estes pensamentos.


A chuva muda a cor das coisas. De fato a água.
A luz das nuvens, como um sol disperso, muda a cor do mundo.
E o tudo entregue à chuva úmida e ao vapor de sol nos meus olhos muda.


E o verde, mais escuro e brilhante, grudado nas folhas daquela árvore, 
Atravessa depressa a janela e me diz:
Que bom que é a chuva, que molha o mundo e muda a cor de tudo.


Mas eu estou seco e entendo o que é pensar com os olhos.

Apolo 11

Ensina, Argêntea Vózinha, outra vez ainda
As histórias-tão-meninas, desenvelhecidas
Em papiro. Tua mãotremente desce, firma,
Ao teu pupilo explica novismesmíssimas sinas.
Aos homens: desbravantes criaturas, depois
Pó, coube enorme ventura: ventos químicos
navegar e Posteridade! ter a Terra por Lua.
- "Nesse passo de multitudinária extensão reuno", 
Braço-Forte, pai de renomadas éteres figuras:
- "A força da civilização logaritmamente madura!"
Lança, Homem, torres ao Firmamento. A Javé,
Babelônico, Desafia. 

Um navio feito de tempo

O espaço dobra-se refletido num ponto-negro e brada:
- O homem passará! O homem mais não será!
O homensono terá toda sua vida pra viver e seus filhossonos
Terão sonhos.
Antes que o tempo passe dobrado num ponto-negro, inerte.

Uma flor é uma flor, ainda que seja só um diamante
E nada durará mais do que a erva que se foi.

No abismo que passa entre duas inflações cósmicas
Os peixes zombam da nave momentânea:
O éter não produz ondas no lastro da nave...


Do lado de lá da janela

Do lado de lá da janela
Cai a chuva.
Do lado de cá 
Só o barulho da chuva é que cai.
Respinga úmido pelas frestas
E se aninha nos meus ouvidos.
Cai chuva, cai
E deixa pingar barulhinho aqui dentro.

Expressa escritor-leitor

Arte é flerte,
É o poeta transando cada poesia no papel.
Depois são: O escritor assinando: posando de poeta
E o leitor que lê desconfiando de tudo.

Mas no início da primavera o vento arranca

Sétimo andar. Décimo terceiro andar.
Três banheiros. Uma cafeteira.
Cento e quarenta e quatro mil trabalhadores.

Mas no início da primavera o vento arranca milhares de dentes-de-leão
E os traz desde algum pasto que não existe por aqui
E os rodopia pra dentro dos escritórios.

E o sol desenha duas barras de ouro bem no meio do pó e do ar.
O sol reflete inteiro num prédio de vidro e reflete todo amarelo pra dentro de mim.
E meus olhos não se importam mais com o escritório.

Quando o primeiro fogo veio do Céus

Quando o primeiro Fogo veio do Céus
E atacou uma Árvore vertendo resina
Arrancando fumaças em tácteis véus
Atraiu teus ancestrais à cor e neblina.

Quando a primeira Tocha iluminou o Dia
E os Homens atiçavam-se com o calor
Sem nem bem saber que de lume servia
Cabelo e Cabeça e Carne cozida na dor.

E o Fogo não precisou de outro encontro
Para fazer do Homem Bicho servil e pronto
A soprar suas chamas e serví-lo de lenhas.

E o Homem avançando em descobrimentos
Desconfiou por uma Eternidade & Momento
Que avançava, na verdade, indo pra trás.

O Poeta apresentado sente-se constrangido


Que se me dá ter o gênio reconhecido em vida
Se posso gozá-lo ainda?
- Ou poderia a fama me ser útil, mas não sei bem como.
Ou iria guerrear desde a manhã até a noite e depois guardar a espada
Por não ter mais Poetas para enfrentar?
Mas a metáfora está errada. É possível derrotá-los todos
Ainda, digamos, antes dos trinta. E nem por isso estar morto o bastante
Pra ouvir o primeiro gracejo de Gênio.
Pois há de ser por gracejo.
Ou quem haveria de saber antes que já fosse a hora
Que daria Gênio aquele cadáver magro.

Pobres sujeitos os gênios ainda vivos.
Não me ocorre nada mais,
Pobres sujeitos ainda.

No mar calmo ao meio-dia

No mar calmo, ao meio-dia,
O mar é calmo e cristalino. Aparente placidez:
Vagalhões profundos agitam o magma submarino.

No mar ansioso pelo amanhecer,
O mar é calmo e receptivo. E a noite recua tremendo e bufando
Para dentro de seus abismos.

No mar escuro. Crepuscular.
O mar é vermelho e escuro. A noite, sabe-se, não cai do céu,
Mas brota de abismos sem fundo.

No rio que nasce nos manguezais,
O rio é doce e salgado. E sobe o morro pra desaguar em milhares de olhos d'água.
O mais é a ilusão que isso provoca.

Na fonte que brota perpetuamente:
Não se sabe que gosto a água tem antes de sair da pedra.

Rimar ou Não Rimar

Rimar, não rimar.
Parar antes ou depois da moral,
A leveza ou a profundidade do ser.

Ser coerente sempre?
Ser eu mesmo e só pensar em mim?

Ser muitos.

He Wishes For The Cloths Of Heaven & Tradução

Had I the heavens' embroidered cloths,
Enwrought with golden and silver light,
The blue and the dim and the dark cloths
Of night and light and the half-light,
I would spread the cloths under your feet:
But I, being poor, have only my dreams;
I have spread my dreams under your feet;
Tread softly because you tread on my dreams.

William Butler Yeats

Tivesse eu os mantos de tecido celeste,
Bordados com fios do sol e da lua,
E todo gradiente das nuvens celestes
E panos com todas as cores da lua,
Espalharia esse manto sob teus pés:
Mas eu, sendo pobre, tenho apenas sonhos;
Espalhei meu sonhos sob teus pés;
Pisa com carinho pois estás a pisar nos meus sonhos.

O tempo maior vende-se

O tempo maior vende-se em pacotes de cento e noventa horas.
Com o trocado, faz-se a poesia.

Por isso, perdoem esse bardo torto e feio e essa sua poesia.
Ela é feita com tempo miúdo.

Ah, geração sem fome!

Ah, geração sem fome!
Quem tornar-se-á poeta numa época assim?
Quem preferirá uma concha de rimas 
Um punhado de métricas
Uma saco de traças
Papéis rotos
Pó?
Pois então ao pó que lá venha.
E que papéis me soterrem e afoguem.
Que me doam as costas essas métricas,
E que as rimas de todas as musas 
Arranquem de uma vez
Meu coração rude
Dessa medida de tempo infeliz.

Ora, para quem escrever?

Ora, para quem escrever?
Quem serão os pares que busco?
Quem são vocês que andais tão longe de mim?
Deves morar longe e estar cansado.
Ou eu.
Ou não nos encontraríamos assim.

Como não falar a ti? 
- Bem, há os tímidos.
Mas oiça: Toma tuas mãos
e os olhos dessas mãos.
Toma tua pessoa toda em ti e vem.

Não sabes a quanto te espero.

Mais ou menos como uma caverna

Ter uma luneta
A olhar e procurar a lua.
Com precisão posicionar as lentes. Ser imóvel. 
Seguir vagamente a luz
Mas à direção oposta.


Ou isto:

Mais ou menos como uma caverna,

Com paredes de penumbra e uma luz macia.
A um canto o poeta,
Espreita.

Morcegos-pensamentos voejam.
Aranhas-teorias teorizam.
Em silêncio. Tudo em muito silêncio.
E o poeta nada.

Minúsculos pedaços de concha
Espalhados sobre a areia escura.
O poeta completamente imóvel apóia-se na outra perna.
As conchas estalam e partem.

Vagamente. Calmamente apercebe-se mais lúcido,
Seus movimentos são lentos e cuidadosos.
De ante-pés pisa nos menores sons.
No grande lençol de conchas. Raso e submarino.

Trata de não assustar os seres de si próprio.
Mas os observa com as mãos.
Avança milhas dentro de si mesmo.
Esforça-se à se ensimesmar. Avançam anos.
Estilhaçadamente tornam-se muitos.
Muitissimamente diferentes.
Coerentes, todos.

Andam por caminhos diferentes
A pisarem as mesmas pegadas.
Seu pé afunda sob o peso de sis
E o poeta começa a deixar marcas.
- Pois, estes vestígios.

O frio corta os olhos de frio

O frio corta os olhos de frio.
Quando não houverem mais estrelas no céu.
O frio cortará os olhos de frio.
E o homem civilizado trabalhará em instalar
O último poste de iluminação burocrática e pública.
Apagando finalmente as estrelas mais longínquas.
Estrelas tais que de outra forma
Nunca daríamos por elas.

Ficasse o relógio certo

Ficasse o relógio certo
A errar as horas vadias,
Estaria o poeta bem perto
De incompletar sua poesia.
 
Infeliz, infeliz o poeta
Do seu relógio de pilha
Arrumou um a um os ponteiros:
Anti-rimistica-metrinologia.
 
O poeta está morto, morto
E não nos deixou uma linha
Só alguns livros grossos.
Grossos demais pra ser poesia.

Shakespeare em Canaã

Eu daria meu reino
E os cavalos todos
E as cavalarias do rei
Que eu teria se fosse
Só pra ter pra sempre
Na confusão desse instante
Um pouco mais de leite e mel

Entende, guri

Entende, guri,
A vida não é assim.
Vê se para quieto,
Presta atenção.
Repara nas coisas que passam.
No pasarán!
Vê os homens no alto
Vindo ao chão.
E a gira-gira-gira-flor
Assunta ao céu
Joga truco e dorminhoco
Com Maria nosso senhor.